Crônicas e Críticas; Humor e Acidez; Idéias e Reflexões por Tiago Buckowsky Xavier

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Radiohead – The King of Limbs

O lançamento do novo disco do Radiohead, se comparado ao que fez o “In Rainbows” e sua política de “quer pagar quanto?”, não vai causar polêmica na indústria fonográfica. Mas “The King Of Limbs” já está disponível para download quase três meses antes da versão física, em CD e vinil, chegar as lojas.

A opção apenas digital custa US$ 9 para download em MP3 e US$ 14 em WAV. Já quem pagar os US$ 48 da pré-venda, além de fazer o download na hora, irá receber o CD, dois vinis, e mais um monte de artes. Frete já incluso para qualquer parte do planeta.

O disco será lançado no formato físico pela gravadora indie XL, no Reino Unido e pela Hostess Entertainment na Ásia. A data prevista é dia 29 de março. A banda também divulgou o primeiro vídeo desse novo disco, “Lotus Flower”.

Quer ouvir as músicas de The King of Limbs – Clica Aqui

Quer baixar o disco – Clica Aqui – Senha – nodata.tv

Artista da Semana

Comecei a semana ouvindo o maravilhoso disco Miss Smith To You, de Lavay Smith acompanhada da banda Her Red Hot Skillet Lickers.

Lavay Smith é reconhecida internacionalmente como ” The Queen Of Classic Jazz & Blues”  estilo autêntico da década de 40 e 50. Um jazz pulsante de muita qualidade. Fica a dica.

O Bar do Seu Tomás.

O bar do seu Tomás não era comum. Sua peculiaridade começava pelos freqüentadores. Todos ali eram convidados. Não era qualquer um que entrava. Bebiam ali apenas os que eram chamados por seu Tomás e os convidados de quem fosse convidado. Era um lugar onde não se permitia a entrada de mulheres. Ali os homens se sentiam à vontade para falar de futebol, política, carros e claro, delas. Assim o bar funcionava, de maneira clandestina. Não tinha licença para que ali pudesse se estabelecer. Ficava atrás do minimercado da família. Para entrar no boteco o sujeito teria de atravessar todo o mercadinho.

Como em todo bar, ali se bebia, brindava, cantava e jogava conversa fora. Nessa de beber e bater papo, alguém sempre contava uma ou outra história que ninguém acreditava. Nisso foi criada a “urna da mentira” que consistia em reunir as lorotas que foram ditas no bar no decorrer do ano. Em dezembro era feito um jantar, pago mensalmente no decorrer do ano, onde os sócios do clube/bar se reuniam para que a urna fosse aberta e a mentira mais descarada do ano ganhava um prêmio.

Entrei ali convidado pelo meu pai, que é um dos freqüentadores mais assíduos e o mais moço de todos também, com cinqüenta anos. O lugar é pequeno e movimentado. Durante o dia fica fechado, pois os sócios começam a chegar depois das 18h00min. O bar consiste num balcão e num frigobar, usado apenas para fazer gelo. Todas as bebidas e os aperitivos ali servidos são trazidos do mercadinho, já evitando quaisquer problemas futuros com a fiscalização. Durante a semana que fiquei em São Paulo freqüentei o botequim diariamente. Assisti a brigas entre os sócios, mentiras contadas descabeladamente, afim de faturar o prêmio daquele ano, além de outras cenas que estão presentes neste cotidiano comercial urbano.

Numa destas brigas, deflagrada por uma discussão de futebol entre dois senhores de idade avançada, um deles se levantou raivoso e, balançando o dedo como quem tenta desgrudar uma meleca, ameaçava:

– Não te bato porque você é muito velho.

O outro, se apoiando na bengala e tentando se levantar com dificuldade, responde em tom irônico:

– Venha se for Homem. Te enfio esta bengala onde tua mãe passava talco, seu velho safado.

Para a infelicidade de todos, o prosseguimento desta discussão é impublicável. Porém, as brigas no bar de seu Tomás não passam de palavras de afronta. No dia seguinte, ao chegar ao bar, pude notar que os dois senhores, que antes gladiavam-se verbalmente, riam do acontecido como duas crianças quando fazem as pazes depois de uma briga pela figurinha de um álbum ilustrado.

Porém, as mentiras que vão para a urna são grandiosas anedotas populares. Quando eu era criança, me perguntava sempre quem era o inventor das piadas. Ao conhecer o bar do seu Tomás, descobri que as anedotas, piadas e causos surgem da mente brilhante, da imaginação adubada dos grandes mentirosos. Uma boa mentira vira uma grande anedota mudando-se apenas um pouco o contexto e aumentando o teor desta mentira para que possa ser chamativa e engraçada. Uma das pérolas da perna curta, que foi a grande campeã de 2001, foi dita e confirmada por Seu Auréolo, advogado aposentado que acredita realmente no que diz.
Segundo o próprio Auréolo, uma vez ele foi ao pantanal com alguns parentes para pescar. Disse ter pego uma tainha, que é um peixe que realmente demora para morrer depois que é tirado da água. Porém, essa tainha que Seu Auréolo pescou devia ser dotada de poderes extra terrenos, pois foi colocada na geladeira e no dia seguinte, seu Auréolo afirma, ela ainda estava viva e tinha comido um pé de alface que fora deixada ao seu lado.

Claro, Seu Auréolo foi consagrado grande campeão do ano, e há indícios de que ele anda preparando outra mentira que conta uma história de briga de canários e gaiolas com as grades entortadas pela violência dos pássaros em combate.
Porém, o mais interessante do bar do seu Tomás é que ninguém acredita que ele exista, e falam que eu inventei isso tudo. Chamam-me de mentiroso, contador de histórias. Não posso fazer nada. Se não acreditam no que digo, então, que me coloquem na urna…

Garota Propaganda

Nua,
Deitada e em Pranto.
Virgem,
Chora pelos cantos.
Ela é perfeita
se acha imensa.
Não caber em moda a deixa tensa.

Louca,
Fica submersa.
Em mais de mil planos, promessas.

Ela na verdade
Só queria aparecer
Numa propaganda de biquini da TV.

Se uma roupa não lhe cai bem.
Sobram as pétalas das flores que jamais
podem perceber uns quilinhos a mais.
Ela é tão bela
não quer se ver.
Seu sonho é estar nua
no horário nobre da TV.

Cega,
quer ser um produto.
Iludida,
Só ouve o consumo.
Sua auto estima vedada pela tristeza.
Nenhum homem a quer,
apesar da sua beleza.

A Mulher da Janela

Parada à janela da rua
ela derrama sua lágrima
cada gota, uma história
gemido de memória
feliz ou trágica.

uns braços envolvem consolo
abrigam-na tão vulnerável
fazendo-a chorar, segura
da lágrima, a mais pura
sente-se mais confortável.

Na doce friagem
a brisa se escandaliza
seu sonho profundo
forma a imagem ideal
formata-se na cor
do desejo teatral.

Na noite seguinte, acordada
sua sina continua
parada à janela da rua
ela derrama sua lágrima
cada gota, uma história
gemido de memória
feliz ou trágica.

O Labirinto Sexual das Freiras Lésbicas de Santo Amaro

Li outro dia, numa coluna da Folha de São Paulo, um texto interessante de um autor que não me lembro o nome. Este esquecimento faz com que qualquer coisa que eu escreva aqui tenha uma total falta de credibilidade. Não me importo. Se não quiserem acreditar, nada posso fazer.

O Colunista, que chamarei pelo singelo nome de Fulano, nos diz que em Santo Amaro existe um convento onde todas as terças-feiras há uma reunião de freiras. As devotas se confraternizam de maneira muito discreta, já que o assunto ali tratado é execrado pelos diferentes setores da sociedade. A desconhecida assembléia reunia 50 freiras lésbicas de diferentes regiões da cidade de São Paulo, onde havia um labirinto com proporções exorbitantes: “O Labirinto Sexual das Freiras Lésbicas de Santo Amaro”.

Outra peculiaridade são as regras desse excêntrico clube eclesiástico:

1. As “lésbicas de hábito” não poderiam comentar, nem com Deus, sobre as coisas que ali dentro acontecia.

2. A mais idosa delas era a única que podia mandar e desmandar, expulsar ou convidar novas integrantes, que só ingressariam na fraternidade sendo mais nova do que todas as outras e quando uma delas tivesse seu atestado de óbito emitido.

Tendo como objetivo principal o aperfeiçoamento das técnicas que compõem a obtenção do orgasmo, as freiras se dividem sem critérios de escolha, 24 do lado direito e 24 ao lado esquerdo (sem trocadilhos com o jogo do bicho, por favor) do labirinto. A mais nova e a mais velha delas ficam no circulo central, se amando esmagadoramente. Começa a brincadeira e elas entram no labirinto. Quando a freira de um grupo encontra a de outro, pelos corredores, elas devem transar de maneira despudorada. Àquela que primeiro atingir o orgasmo está fora da disputa, tendo em vista o acúmulo de vigor que deve ser retido para a líder e a caloura. Ganha a competição o grupo que chegar com maior número de integrantes ao círculo central, tendo como prêmio uma suruba lésbica antológica.

Dia destes encontraram no labirinto uma velhinha, com 102 anos de idade. Era uma das antigas integrantes, dada como morta pelas outras. Ela nunca conseguiu sair dali depois do inesquecível orgasmo múltiplo que sentiu em 1974, o último de sua vida, que lhe deixou totalmente desnorteada. O abalo foi tão intenso que a pobre devota do Senhor nunca mais conseguiu se livrar daquelas paredes que a cercavam. Durante anos, viveu naquele lugar imundo comendo a carne dos ratos que habitavam o local e lambendo as úmidas paredes para suprir a necessidade da água. Quando foi achada, não foi possível conter a emoção. Uma das integrantes, a Irmã Nena, achou a anciã e saiu alarmando para o restante do grupo com um crucifixo em punho:

– Gente. A Irmã Acácia. Valha-me Deus. Crê em Deus Pai três vezes. Ai Senhor…

Todas as irmãs correram, ou pelo menos as que acharam o caminho entre as divisórias do labirinto, na direção dos gritos de desespero da velha Nena. Quando viram irmã Acácia, começaram a entoar louvores em afeição aos mortos. Uma das freiras abraçou a perdida, tascando-lhe um beijo daqueles em sua boca. O hálito podre da velha a fez vomitar. No cessar dos louvores, irmã Acácia foi questionada:

– Que faz aqui. Todas achávamos que a senhora havia morrido.

– Quê? Vocês me abandonaram aqui durante anos. Durante todo esse tempo eu ouvia gemidos, assim sabia que era terça-feira e me guiei no tempo desta forma. Tentava seguir o som, mas nunca achei nenhuma de vocês.

– Por que não gritou por socorro?

– Acha que essa minha voz rouca eu tenho a toa?

Dona Acácia começou a chorar, sentou-se num canto úmido e balbuciou, entre lágrimas, que tinha um ultimo pedido a fazer, pois estava velha e não tinha muitas esperanças em viver. Disse que sentiu muita solidão, nojo de si mesma por estar a tantos anos sem um bom banho e uma boa refeição apenas sobrevivendo pela fé que tinha em Deus, que é um bom pai para seus filhos.

– Que pedido é esse? – perguntou Irmã Neca, já refeita do susto inicial.

A velha fechou os olhos, deu um sorriso sem dentes e, abrindo as pernas enrugadas, implorou num tom solene:

– Pelo amor de nosso Senhor: alguém me dê uma bela chupada.

Umbigo

Crônica escrita em 1o/07/2003

Dois amigos numa mesa de bar:

-Sabe, estava aqui pensando numa coisa…
-Que coisa é esta? Tomou vergonha na cara e vai fazer um regime. É isso?
-Não me amola. O assunto é sério.
-Se estiver precisando de grana, eu empresto. Pode pedir.
-Não, não é isso. É coisa minha. Deixa pra lá.
-Nunca te vi tão sério rapaz. Diga-me o que aconteceu. Afinal, somos ou não somos amigos?
-Sim. Mas o assunto é sério pra mim. Pra você vai parecer piada. Não quero ninguém rindo da minha cara.
-Prometo, não vou rir.
-Jura?
-Juro.
-Bem, estou pensando no meu… . Você vai rir… .
-Não vou rir. Diga, estou esperando.
-Tá bem. É sobre o meu… . Não, eu sei que você vai rir. Deixa pra lá. Já disse que é coisa minha.
-Tem alguém rindo por acaso. Deixa de frescura e diga logo, vá… .
-Estou pensando no meu umbigo. Pronto, falei.

O outro, primeiramente, anulou seu semblante de curiosidade para depois dar existência a uma seqüência de expressões: primeiro de espanto. Depois fez um ar pensativo que em segundos se transformou num semblante de compreensão. Logo depois fez aquela cara peculiar de quem tenta conter o riso, diante da reprovação do amigo:

-huhuhuhu. hihihi. HuHAUhauHAUHUAHuhaUAHUhauHUAHUhaUHAUh!!!!!
-Eu falei que você riria!
-Claro! Nunca vi alguém tão preocupado com o umbigo. A não ser que ele esteja infeccionado.
-Não é infecção nem nada. Já disse que o assunto é sério. Vamos mudar de assunto porque já estou ficando incomodado.
-Claro, você só pensa no seu umbigo! HáHáHáHá!
-Piadinha torpe.
-Desculpe, não me contive. Mas diga lá! Qual tua preocupação com o seu, heheh, umbigo?
-Execrável. Mas esquece, já disse!
-Nada disso! Agora vai ter que falar! Sinceramente? Acho que você está pirando.
-Não estou pirando, estou pensando. Coisa que você devia fazer.
-Calma rapaz! Foi só uma brincadeirinha! Como já notei que você não está disposto a brincadeiras, vou ficar aqui só ouvindo. Qual a causa de preocupação com seu umbigo? É um buraco na barriga, nada mais…
-Não falo dessa minha cicatriz na parte anterior do ventre, resultante do corte do cordão umbilical. Quando digo umbigo, falo no próprio cordão umbilical. Aquilo que foi jogado fora no dia em que nasci.
-Cicatriz, parte anterior do ventre. Você está erudito hoje em?
-Vai me deixar falar ou não?
-Desculpe, prossiga meu caro.
-Como você sabe, completei quarenta anos na semana passada…
-Pois é rapaz. Que festa boa você deu. Regada a uísque e caipirinha. Você conseguiu o telefone daquela loira que estava bêbada na festa? Aquela balzaquiana que queria fazer um strip-tease e as casadas não deixaram? Desculpe, continue…
-Ao completar quarenta anos, fiz uma revisão de tudo o que fiz e também de tudo o que eu deixei de fazer.
-E?
-Será que isso é a chamada Crise dos Quarenta?
-Não sei, não sei. Ainda tenho trinta e nove.
-Bem. Notei que durante minha vida toda, sempre dividi as coisas. Nunca guardei nada além daquilo do que eu realmente precisava. Nunca acreditei num Deus ou coisa parecida, mas sempre achei bonito dividir, compartilhar, ajudar. Essa coisa cristã dentro de mim, mesmo eu sendo muito cético.
-Isso é verdade. Até namoradas você já dividiu.
-Do que você está falando? Como soube dessa história?
-Deixa pra lá. Continue.
-Então. Quando criança, nas vezes em que eu ganhava um pacote com balas, dados pelo meu pai, corria pra rua pra distribuir com a turma. Tinha dias que eu não sentia o gosto de uma bala sequer, mas me sentia feliz em ver a molecada fazendo a festa. Todo mundo rindo, aquela gritaria.
-Realmente, você sempre foi um grande amigo.
-Na minha mocidade, comecei namorar uma garota. Estava apaixonado. Um grande amigo também estava apaixonadíssimo, por uma loirinha pequenina que cursava técnicas industriais. Eles estavam na mesma sala, mas ela não lhe dava a mínima bola. Emprestei minha namorada pra esse amigo, que diria estar apaixonado e faria ciúmes pra tal loirinha.
-Essa eu não sabia. Seu amigo ficou com a pequenina?
-Nada. Ele e minha namorada se apaixonaram. Estão casados até hoje. Durante dez anos, não tive notícias da loirinha. Depois a vi numa peça de teatro, onde ela interpretava uma lésbica perneta. Hoje estamos casados.
-Mas sua esposa não é loira.
-Aquilo é tinta meu amigo, fui eu quem deu a idéia.
-Até idéia você dá rapaz. Sabe o que o pessoal fala de ti, não sabe? Que você é tão bom, que chega a ser bobo.
-É justamente neste ponto que entra meu umbigo.
-Não entendo.
-Eu explico. Dessa revisão que fiz, das maneiras como a vida foi me trazendo até onde estou hoje, com um bom emprego, com uma vida razoavelmente estável, tiro a conclusão que sou um cara desprovido de possessividade. Se for preciso, tiro do meu pra dar pra alguém, só pra ver o sorriso desta pessoa.
-E o que teu um umbigo tem a ver com isso.
-Justamente a falta desse egoísmo que é tão presente na sociabilidade humana. Eu sou um antiegoístico. Mas essa ganância é presente, desde os primórdios, desde que o mundo é mundo, no caráter humano. Acho que minha porção de amor-próprio excessivo, que me levaria a olhar apenas para meus interesses em particular, desprezando os alheios, foi separada de mim quando cortaram meu umbigo. Uma parte de mim foi jogada fora, no lixo do hospital.
-Mas meu umbigo também foi jogado fora, e eu sou um cara muito egoísta.
-Minha teoria é a seguinte: Quando se joga o umbigo da criança no lixo, alguma aptidão que ela poderia ter durante sua vida também é jogada fora. No meu caso foi a busca de honra, poder, status. Nunca guardei dinheiro. Você sabe que hoje eu poderia estar rico, mas isso não vem ao caso agora…
-No meu caso, o que acha que eu perdi?
-Você toca bongô?
-Não!
-Então você deve ter perdido a capacidade para o bongô. Meu avô, por exemplo, nasceu cego.
-O que isso tem a ver com o umbigo?
-Ele perdeu a visão quando jogaram o umbigo dele fora.
-Você está realmente ficando maluco.
-Mas o problema maior está no meu egoísmo perdido. Uma aptidão artística jogada fora morre junto com o umbigo. Mas o egoísmo é tão egoísta que ele se desenvolve, faz do umbigo sua morada material, e se torna alma renegada desta carne morta.
-Por que é que eu fui deixar você falar…
-Acho que meu umbigo hoje é o Bush.
-Ai meu Deus!
-Ele se desenvolveu, saiu do cordão umbilical que fora jogado fora e migrou para o corpo do Bush. Por isso essa política centralizadora. Tudo para os Estados Unidos. Eles se consideram os donos do mundo.
-Mas não é só o Bush que é assim. Muitos americanos também são.
-Meu umbigo deve ter se espalhado. Hoje ele está esmiuçado na população norte-americana. Meu umbigo é o cerne da identidade cultural americana.
-Isso é uma questão histórica. Você está ficando louco. Francamente…
-Mas pela primeira vez na vida, quero alguma coisa pra mim. Quero meu umbigo de volta, meu egoísmo. Seria muito melhor ele estar centralizado numa só pessoa do que espalhado numa população arrogante.
-Eu vou embora. Não vou ficar aqui ouvindo essa conversa mole. Tome esse dinheiro, pague as cervejas.
-Pode deixar que eu pago. Dinheiro pouco eu tenho muito.
-Tudo bem. Mas vou tomar esse copo aqui, pra não perder o costume.
-Hei. Esse copo é meu. Solta meu copo seu canalha. Se não quer me ouvir sobre meu umbigo, não tome minha cerveja.
-Logo vi. Você não é tão generoso assim…

Três Corações

Um coração que não limita-se a amar
Um outro único, quer mais, talvez um par
Perde os sentidos se um dos dois não suportar
Que ele visite outros peitos a se inundar
Em duas paixões
Tão diferentes
Que acha em um
Tudo que noutro
Anda ausente
Ou não há nenhum dos elementos que ele tanto anda a buscar
E não se importa se um dos dois se magoar.

A carne não suportaria o surgimento
Deste ciúme, das vaidades, complemento
E o coração volta a escolher apenas um
Aquele que melhor couber num bem comum.

Saudade é Desconhecer

Pensei em começar a crônica definindo a saudade numa imagem: a de um machado que executa, com feitio sádico, um castigado coração. Mas um golpe brusco, incisivo e seco seria uma espécie de alívio para o sujeito que sofre dessa agonia. A saudade seria, então, a tortura contínua das penetrações de milhares de agulhas numa carne cansada, preferivelmente, debaixo da unha. A dor é ininterrupta.

Palavra expressiva esta tal saudade – sua beleza situa-se na dor de quem sente a alma entrevada. Existente apenas na língua portuguesa usada no Brasil, a palavra expressa uma lembrança, suave e triste ao mesmo tempo, de um bem do qual se está privado. A saudade é um triste pesar, uma mágoa, uma nostalgia que se instala frente à ausência da pessoa querida.

Chico Buarque, na sua genialidade, definiu a dor da lembrança usando a imagem de um lugar comum: “a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”.

Porém, a saudade dolorida é a da pessoa que se ama. Sentir falta de um tempo distante, de lugares ou objetos, de situações, de animais, de conversas em grupo, da infância, da juventude, de festas e amigos pode gerar um sorriso nostálgico de quem já aproveitou e muito nessa vida. Diferentemente da lágrima que insiste em cair quando há uma distância entre duas pessoas que se amam: neste caso o sofrimento anuncia-se evidente.

No sujeito que sente saudades se instaura a velha cara de bobo-alegre que não significa nada além de uma comoção com qualquer eventualidade: até mesmo a imagem da avó tirando um naco do dedão, no momento de cortar as unhas do pé chega a ser tocante. A sensibilidade fica até mesmo redundante: ela se torna sensível – um beijo de novela lacrimeja os olhos e um abraço num comercial de margarina faz palpitar o coração do saudosista. Imagina o que um casal de pombos trepando na Discovery Channel seria capaz de causar aos nobres sentimentos do indivíduo: algum transtorno semelhante ao causado pela avó cortando as unhas.

O sofrimento do saudoso se explica pela falta da pele, do cheiro, da voz, do gosto. Da presença do outro. Falta também da ausência consentida: pois uma coisa seria ficar sem se encontrar por uns dias sabendo que, brevemente, esses momentos de carência cessarão. Outra, totalmente diferente, seria a certeza de que esta execrável distância nunca encurtará. Ou uma aproximação acontecerá num período futuro e distante.

A saudade dói por ser a falta de estar a par do que acontece com o outro. A falta de saber se o outro se encontra gripado, rindo, se comeu pizza ou miúdos, se foi ao cinema ou ao teatro. Permito-me fazer uma correção: a dor da saudade não é a “falta”, e sim, a “necessidade” de saber se o outro continua tomando vinho antes de deitar ou mesmo se usa aquela camisa amarela horrível e a meia com um ursinho detestável.

Saudade é não saber. Desconhecer qualquer atividade prazerosa que ocupe a cabeça naqueles dias compridos. Qualquer atividade que lhe transforme o pensamento, além daquela de observar por trinta minutos o cachorro correndo atrás do próprio rabo, porque, sabe-se lá o motivo, isso lembra o sorriso da outra pessoa. O mesmo sorriso lembrado há uns minutos anteriores no instante em que a vovó cortava as unhas. A saudade é desconhecer qualquer maneira de vencer uma dor causada por um silencio que nada preenche, é um castigo dado, justamente, àquele que não deu a devida importância aos preciosos períodos em que os corpos se encontravam unidos, fazendo com que o sofredor se lembre de pequenos fatos que interiorizavam o cotidiano. Saudade não é nada além do ansioso desejo de querer sufocá-la até o precioso momento de sua morte, onde se encontra novamente o rumo de uma transtornada, mas valiosa, felicidade.


Greve dos Computadores

Tive uma vez, ao conversar com um amigo sobre os livros de George Orwel – 1984 – e Aldous Huxley – Admirável Mundo Novo – a idéia de um romance onde uma sociedade futura seria governada, como nos respectivos livros, por um grupo minoritário. Esta oligarquia teria total controle dos computadores num futuro distante e isso faria com que fossem extintas as escolas e universidades da maneira como conhecemos hoje. Nestas, as crianças entravam com dez anos de idade e toda a informação presente no mundo seria colocada em seu cérebro através de um download feito por supercomputadores. Claro que essas informações seriam manipuladas pela tal oligarquia, para que pudesse haver total autarquia sobre a sociedade. Apenas os loucos iriam para as escolas convencionais. O desfecho seria um avanço tão inesperado, por parte dos computadores, que haveria então a queda da aristocracia oligárquica e o surgimento de um governo totalmente digital, controlado por essas poderosas máquinas. Depois desisti do romance, pelo fato desta idéia ser totalmente piegas e eu não ser nenhum especialista em termos de ficção científica. Mas hoje vejo a idéia com bons olhos.

Tenho medo de um dia sermos totalmente dominado por computadores. Isto será passível de ser observado, e digo mais, acontecerá num futuro não muito distante. Já vi gente no meio de uma festa ou de um jantar pegar o celular para escrever qualquer besteira no twitter. Para se ter uma idéia, a corrida cada vez mais avançada da tecnologia faz com que o computador que era última geração no ano passado se torne um modelo obsoleto no ano que segue. Meu medo é de, ao estar digitando estas palavras, o teclado prender meu dedo e soltar apenas sob promessas de que apagarei essas linhas, por estar eu denunciando todo o esquema de dominação da era tecnológica. Nada aconteceu comigo ainda, não se preocupem. Mas, assim como a Regina Duarte – Eu tenho medo! Não do Lula ou da Dilma. Talvez do Bill Gates.

Sempre acontece, quando eu vou colocar um CD na máquina, de eu tomar os devidos cuidados para não ficar com os dedos mastigados. Nunca se sabe o que pensa um objeto destes. Ainda mais quando o sistema é Windows. Não vou chamá-lo aqui de revoltado, pois tenho receio de algum tipo de vingança que possa vir a acontecer.

Tudo hoje depende dos computadores. Eles tiram seu extrato – me refiro a conta bancária, não pense em comer agora, que coisa !!! – fazem suas compras, pagam suas contas, trazem suas notícias, guardam o seu carro, cuidam da sua saúde. Tem gente que até sexo consegue fazer através do computador. Eu já tentei ver a máquina com bons olhos, para tentar entender esse diferenciado universo humano, essa coisa do sexo virtual. Porém, não achei a máquina nem um pouco jeitosa. Para não pegar um vírus nesse tipo sodomia, o que se deve fazer? Colocar camisinha no mouse?

O ser humano está sendo dominado, como disse uma amiga minha, por uma coisa que ele mesmo inventou. Um exemplo disso é a biblioteca da universidade onde fiz meu mestrado. Certa vez o sistema de locação de livros “caiu”, segundo uma funcionária. Deve ter se machucado, pois não funcionava de maneira alguma. Eu teria que preparar uma palestra para o dia seguinte e não havia maneira de levar o livro para casa, pois não estavam fazendo empréstimos. A avaliação de minha apresentação é impublicável.

Esse domínio é tramado, segundo minha teoria de maluco – quando fui tirar carteira de motorista, reprovei no exame psicotécnico do Detran, portanto, tenho provas das condições de minha insanidade – pelas próprias máquinas. Tudo não passa de uma conspiração, um conluio para, como diz o cérebro, amigo do pink, tentar dominar o mundo.

Quando um computador trava, duas são as possibilidades para que tenha ocorrido tal transtorno: A primeira e a mais provável é a de tal fato ter acontecido por uma informação confidencial do mundo digital ter vazado para a tela e ser desmascarada pelo usuário. Assim o computador, conscientemente, trava. Seria como se fosse um desmaio no ser humano. Como se a máquina prendesse a respiração e sua pressão aumentasse, ou mesmo batesse a cabeça na parede. Isso seria uma medida diante de uma situação extrema, tomada em último caso. Apertar simultaneamente as teclas Ctrl + Alt + Del seria como fazer respiração boca a boca no processador.

Essa medida extrema tem um nome técnico: Windows. A segunda e mais provável ainda é que exista, entre os computadores, um mecanismo que faz com que as máquinas entrem em greve. Não geral, mas parcial, para que não fique muito explícita a intenção. Enquanto muitas máquinas travam – entram em greve – ao mesmo tempo, outras trabalham para disfarçar o que as que fizeram um Windows estão tramando. Essa é a regra do secretíssimo “sindicato digital do resíduo binário” – instituição pela qual as máquinas se organizam.

Por essas e outras que tenho medo. Medo de minha teoria ter fundamento e aparecer morto com um código binário estampado na testa. Tenho medo de que, neste código binário formado por números um e zero, o um chame o zero de gorducho e este responde com ofensas como “seu magrela”, e tudo entre em conflito, meus dedos fiquem presos e mastigados pelo teclado, a tela fique escura de repente e das caixas de som possa irromper uma voz medonha dizendo:

– Que haja luz !!!!!!